O casal que foi denunciado pela morte da filha de três meses por desnutrição em Palhoça, na Grande Florianópolis, deixou a prisão após uma liminar concedida do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A mulher de 26 anos e o homem de 30 estavam presos desde 3 de agosto.
“Fiquei surpreso. Mas não conheço os fundamentos da decisão. Veio só um resumo com o dispositivo e a ordem de soltura”, afirmou o promotor de Justiça da 1ª Vara Criminal de Palhoça, Márcio Conti Junior.
Água de coco e amêndoas
A criança era alimentada apenas com uma mistura feita com água de coco, nozes, castanhas, pistaches e amêndoas, em substituição ao leite materno, segundo o Ministério Público de Santa Catarina. Em 12 de agosto o MPSC denunciou o casal.
A bebê morreu por desnutrição no dia 2 de agosto e os pais foram presos no dia seguinte. Ambos foram denunciados pelos maus-tratos que resultaram na morte da criança. O casal vivia em uma comunidade alternativa em Palhoça conhecida como Vale da Utopia.
Na quinta-feira (3) o STJ concedeu liminar ao pedido de habeas corpus feito pela Defensoria Pública de Santa Catarina. Segundo o promotor, o pedido de liberdade do casal já havia sido negado pelo Fórum de Palhoça e pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC).
O casal foi liberado na sexta-feira (4) e tem 15 dias para comprovar residência fixa e trabalho lícito. “Uma das justificativas para a não liberação antes era que eles não tinham paradeiro fixo, o que não dava garantia de que eles se manteriam fiéis ao processo”, detalha o promotor.
Uma audiência foi marcada para 26 de outubro e testemunhas de acusação, de defesa, além dos pais da criança, serão ouvidas. “A princípio, se define tudo na audiência”, diz Conti Junior.
Até a tarde desta quarta-feira (9), a promotoria não havia recebido o laudo feito pelo Instituto Geral de Perícias (IGP) no local para anexar ao processo.
Método alternativo
Para o promotor Márcio Conti Júnior, o método alternativo usado pelos pais para alimentar a filha era “visivelmente falho”. “Era visível que a criança não se desenvolvia, tampouco ganhava peso, pois definhava fisicamente para a morte enquanto sua alimentação dita ‘alternativa’ era experimentada pelos pais”.
Segundo o que ele escreveu na ação civil pública, “as imagens que constam no laudo pericial são chocantes e revelam o alto grau de desnutrição da criança, que, com pouco mais de três meses, pesava apenas 1,789 quilo”.
Caso o casal seja condenado pelo crime de maus-tratos, poderá ficar preso de cinco anos e oito meses até 12 anos.
‘Apenas pele e osso’
Conforme o delegado Adriano Almeida, que realizou o flagrante na Delegacia Regional de Palhoça, o bebê tinha as proporções de um feto, “apenas pele e osso”. “O casal vivia uma vida alternativa em uma comunidade que se denomina ‘Vale da Utopia’, próximo à praia da Pinheira. Eles alegam que encontraram no local uma forma de tratar a menina que teria nascida ‘miúda’, como relataram”, disse o delegado.
De acordo com o depoimento da mãe, eles moravam em Joinville, no Norte catarinense, e optaram por se mudar para a comunidade recentemente.
A criança teria nascido de nove meses e o parto foi realizado pelo próprio casal. A mãe não fez exames de pré-natal. O bebê não tinha registro civil e nunca teria passado por um médico.
Representantes do local conhecido como Vale da Utopia afirmaram que ficaram chocados com o fato.
Dieta a base de óleos
Ainda segundo a mãe, a nutrição do bebê era feita apenas com uma mistura de extratos, como óleo de coco e castanha. A mulher, formada em enfermagem, relatou que fez uma cirurgia para a retirada de próteses de silicone, após um processo de rejeição do organismo, e que, por isso, não poderia amamentar.
O próprio delegado afirma ter se impactado com o caso. “Há seis anos trabalho na delegacia de homicídios, vemos diariamente casos chocantes. Mas eu nunca presenciei algo como o descaso com que esse casal tratava a criança”.
Ele afirma que os dois não se disseram arrependidos do tratamento alternativo. “A mãe falou que o bebê transcendeu, virou luz e vai iluminar a Terra”.
A menina morreu por volta das 22h do dia 2 de agosto (domingo) e o Samu foi acionado às 2h de segunda. O médico do Samu constatou desnutrição no atendimento ao bebê.
Matéria original: g1.globo.com/sc/santa-catarina